Imagine a cena: Mário entra arrastando os pés na sala de Felipe, com os ombros visivelmente caídos sob o peso de suas preocupações. Felipe olha compassivamente para seu amigo, esperando que ele fale. “Não sei se vou conseguir fechar aquele contrato”, suspira Mário. “Há tantos obstáculos, e a diretoria está mesmo me pressionando.” “Por que toda essa preocupação, Mario?”, pergunta Felipe confiantemente. “Você sabe que o melhor homem para essa tarefa é você, e eles também sabem disso. Não se precipite. Você acha isso ruim? Ora, no mês passado . . .” Felipe conta alguns detalhes engraçados sobre seu próprio pequeno fiasco e, pouco depois, seu amigo deixa a sala rindo e aliviado. Felipe sente-se feliz por ter ajudado.
E imagine também que Felipe, ao chegar em casa naquela tarde, logo percebe que sua esposa, Júlia, também está deprimida. Ele a cumprimenta de maneira especialmente animada, e espera que ela lhe diga o que a faz sentir-se assim. Depois de um silêncio tenso e petrificante, ela desabafa: “Não aguento mais! Esse novo chefe é um tirano!” Felipe faz com que ela se sente, põe o braço no ombro dela e diz: “Querida, não fique tão irritada. Olhe, isso é apenas um emprego. Os chefes são assim mesmo. Você devia ver como meu chefe esbravejou hoje. Mas se isso for demais para você, simplesmente peça demissão.”
“Você nem se importa com meus sentimentos!”, replica Júlia. “Você nunca me escuta! Eu não posso pedir demissão! Você não ganha o suficiente.” Ela corre para o quarto, e chora profusamente. Felipe fica parado à frente da porta fechada, atônito, perguntando-se o que aconteceu. Por que essas reações tão antagônicas às palavras de consolo de Felipe?
Conflito entre os sexos?
Alguns atribuiriam a diferença nessas ilustrações a um único fato: Mário é homem; é mulher. Pesquisadores de comunicação acreditam que as dificuldades de diálogo no casamento muitas vezes se devem à diferença entre os sexos. Livros como "You Just Don’t Understand" (Você Simplesmente Não Entende) e "Men Are From Mars,Women Are From Venus" (Os Homens São de Marte, as Mulheres de Vênus) promovem a teoria de que homens e mulheres, embora falem o mesmo idioma, têm estilos de comunicação nitidamente diferentes.
Inquestionavelmente, quando Jeová criou a mulher a partir do homem, ela não era um simples modelo ligeiramente modificado. O homem e a mulher foram projetados de maneira maravilhosa e ponderada para complementar um ao outro — física, emocional, mental e espiritualmente. Acrescente a essas diferenças inatas as complexidades da criação e da experiência de vida individuais e a moldagem das pessoas segundo a cultura, o ambiente e o conceito da sociedade sobre o que é varonil ou feminil. Devido a essas influências, podem-se isolar certos padrões na maneira em que homens e mulheres se comunicam. Mas os elusivos “homem típico” ou “mulher típica” talvez existam apenas nos livros de psicologia.
Tipicamente, as mulheres se destacam por sua sensibilidade, no entanto, muitos homens são admiravelmente brandos nos seus tratos com pessoas. A capacidade de raciocínio lógico pode ser mais atribuída a homens; contudo, há muitas mulheres dotadas de aguçada e analítica perspicácia. Portanto, embora seja impossível rotular qualquer traço como exclusivamente masculino ou estritamente feminino, uma coisa é certa: compreender a perspectiva do outro pode fazer a diferença entre coexistência pacífica e guerra declarada, especialmente no casamento.
O desafio diário da comunicação homem-mulher no casamento é tremendo. Muitos maridos discernidores atestam que a ilusoriamente simples pergunta: “Gostou do meu novo penteado?” pode vir carregada de perigos. Muitas esposas diplomáticas aprendem a evitar perguntar repetidamente: “Por que você não pede informações?”, quando o marido se perde numa viagem. Em vez de menosprezar as peculiaridades aparentes do cônjuge e obstinadamente apegar-se às suas próprias, alegando que “é assim que eu sou”, cônjuges amorosos olham abaixo da superfície. Não se trata de um frio escrutínio do estilo de comunicação do outro, mas sim uma calorosa olhada no coração e na mente do outro.
Como cada pessoa é ímpar, também o é cada fusão de dois indivíduos no casamento. Uma verdadeira junção de mentes e corações não é acidental, mas exige empenho árduo devido à nossa natureza humana imperfeita. Por exemplo, é muito fácil presumir que os outros encarem as coisas assim como nós as encaramos. Muitas vezes suprimos as necessidades de outros da maneira como nós gostaríamos que fossem supridas as nossas, talvez tentando seguir a Regra de Ouro: “Todas as coisas, portanto, que quereis que os homens vos façam, vós também tendes de fazer do mesmo modo a eles.” (Mateus 7:12) Contudo, Jesus não quis dizer que aquilo que você deseja deva ser suficientemente bom para os outros. Em vez disso, você deseja que outros lhe dêem o que você necessita ou deseja. Portanto, você deve dar o que eles necessitam. Isto é especialmente vital no casamento, pois cada qual votou atender às necessidades de seu cônjuge tão plenamente quanto possível.
Júlia e Felipe fizeram tal voto. E sua união marital de dois anos tem sido feliz. Contudo, embora achem que conhecem um ao outro muito bem, às vezes surgem situações que revelam um largo abismo na comunicação que boas intenções apenas não podem sanar. “O coração do sábio faz que a sua boca mostre perspicácia”, diz Provérbios 16:23. Sim, a perspicácia na comunicação é a chave necessária. Vejamos que portas ela abre para Felipe e Júlia.
O conceito de um homem:
Felipe navega num mundo competitivo onde cada homem tem de assumir seu lugar numa ordem social, seja ele um subordinado ou um superior numa dada situação. A comunicação serve para firmar sua posição, sua competência, sua aptidão ou seu valor. Sua independência lhe é preciosa. Assim, ao receber ordens em tom de exigência Felipe assume uma posição de resistência. A sutil mensagem “você não cuida bem de sua tarefa” torna-o rebelde, mesmo que o pedido seja lógico.
Felipe conversa basicamente para trocar informações. Ele gosta de falar sobre fatos, idéias e coisas novas que aprendeu.
Ao ouvir, Felipe raramente interrompe quem fala, nem mesmo com pequenas reações, tais como “hã!, sim!”, porque ele está assimilando informações. Mas se discorda, talvez não hesite em dizer isso, especialmente a um amigo. Isso mostra seu interesse no que seu amigo tem a dizer, explorando todas as possibilidades.
Se Felipe tem um problema, ele prefere buscar uma solução por conta própria. Assim ele talvez se afaste de todos e de tudo o mais. Ou talvez procure relaxar com alguma diversão para esquecer temporariamente seu dilema. Falará a respeito dele apenas se estiver buscando conselhos.
Se um homem procura Felipe com um problema, como no caso de Mário, Felipe entende que é seu dever ajudar, cuidando para não fazer com que seu amigo se sinta incompetente. Junto com os conselhos, ele em geral fala de algumas dificuldades suas, para que seu amigo não ache que só ele tem problemas.
Felipe gosta de participar em atividades com amigos. Companheirismo para ele significa fazer coisas em conjunto.
O lar é para Felipe um refúgio da arena, um lugar onde não mais precisa falar para firmar sua posição, um lugar onde encontra aceitação, confiança, amor e apreço. Mesmo assim, Felipe acha que vez por outra precisa estar a sós. Talvez nada tenha a ver com Júlia, ou com algo que ela tenha feito. Ele simplesmente precisa passar alguns momentos a sós. Felipe acha difícil revelar seus temores, inseguranças e desgostos à sua esposa. Não quer que ela se preocupe. Sua tarefa é cuidar dela e protegê-la, e ele precisa que Júlia confie que ele fará isso. Ao passo que Felipe deseja apoio, não deseja comiseração. Isto o faz sentir-se incompetente ou inútil.
A perspectiva de uma mulher:
Júlia vê a si mesma como uma pessoa num mundo de ligações sociais com outros. Para ela é importante estabelecer e fortalecer os vínculos dessas relações. Conversar é uma importante maneira de criar e reforçar o achego.
A dependência vem com naturalidade para Júlia. Ela se sente amada se Felipe procura conhecer os conceitos dela antes de tomar uma decisão, embora deseje que ele tome a dianteira. Quando tem de tomar uma decisão, ela gosta de consultar o marido, não necessariamente para que ele lhe diga o que fazer, mas para mostrar seu achego e dependência com relação a ele.
É muito difícil para Júlia falar explicitamente e dizer que necessita de algo. Não deseja importunar Felipe, nem levá-lo a achar que ela é infeliz. Em vez disso, ela espera ser notada ou faz insinuações.
Ao conversar, Júlia fica intrigada com detalhes e faz muitas perguntas. Isto é natural, por causa de sua sensibilidade e interesse intenso em pessoas e em relacionamentos.
Quando Júlia ouve, ela pontua as palavras do interlocutor com interjeições, gestos afirmativos com a cabeça, ou perguntas, para mostrar que está acompanhando o interlocutor e que se importa com o que ele tem a dizer.
Ela se esforça arduamente para saber intuitivamente o que as pessoas necessitam. Oferecer ajuda sem ser solicitada é uma bela maneira de mostrar amor. O que ela mais deseja é ajudar o marido a progredir na vida.
Quando Júlia tem um problema, talvez se sinta pressionada. Sente a necessidade de falar, não tanto para achar uma solução, mas para expressar seus sentimentos. Necessita saber que alguém entende e se importa. Com as emoções estimuladas, Júlia diz coisas avassaladoras, dramáticas. Ela não dá um sentido literal às suas palavras, quando diz: “Você nunca escuta!”
A melhor amiga de infância de Júlia não era alguém com quem ela fazia coisas em conjunto, mas alguém com quem conversava a respeito de tudo. Assim, no casamento ela não está tão interessada em atividades fora do lar, mas em ter um ouvinte que mostre empatia e com quem possa partilhar seus sentimentos.
O lar é um lugar em que Júlia pode falar sem ser julgada. Ela não hesita em revelar seus temores e problemas a Felipe. Se precisa de ajuda, não se envergonha de admitir isso, pois confia que pode contar com o marido e que ele se interessa o suficiente para escutá-la.
Júlia normalmente se sente amada e segura no seu casamento. Vez por outra, porém, sem nenhuma razão evidente, ela passa a sentir-se insegura e não amada e precisa urgentemente de renovada confiança e companheirismo.
Sim, Felipe e Júlia, complementos um do outro, são muito diferentes. As diferenças entre eles criam o potencial para sérios mal-entendidos, mesmo que ambos tenham as melhores das intenções quanto a ser amorosos e apoiadores. Se pudéssemos ouvir a perspectiva de cada um na situação acima, o que diriam?
Cada um enxergou o seu lado da questão!
“Assim que entrei na casa percebi que Júlia estava deprimida”, diria Felipe. “Presumi que no momento oportuno ela me diria o motivo. O problema não me parecia ser tão grande assim. Eu achava que se eu simplesmente a ajudasse a ver que não havia necessidade de ficar tão deprimida, e que a solução era fácil, ela se sentiria melhor. Realmente feriu ouvi-la dizer, depois de eu a ter escutado: ‘Você nunca me escuta!’ Senti-me como se ela me culpasse de todas as suas frustrações!”
“O dia todo havia sido um só grande desastre”, Júlia explicaria. “Eu sabia que não era culpa do Felipe. Mas quando ele chegou em casa todo animado, parecia-me que ele desprezava o fato de eu estar deprimida. Por que não me perguntou qual era o problema? Quando eu lhe disse qual era, o que ele basicamente disse foi que eu estava sendo ingênua, e que tudo isso não passava de uma coisa muito pequena. Em vez de dizer que entendia como eu me sentia, Felipe, o ‘solucionador’, disse-me como sanar o problema. Eu não queria soluções, eu queria compreensão!”
Apesar das aparências dessa ruptura temporária, Felipe e Júlia amam-se muito. Que discernimento os ajudará a expressar inequivocamente esse amor?
Enxergar o outro lado!
Felipe achou que seria intrusivo perguntar a Júlia qual era o problema, de modo que espontaneamente fez por ela o que gostaria que outros fizessem por ele. Esperou que ela se abrisse e falasse. Mas a essa altura Júlia estava deprimida não só por causa do problema, mas porque Felipe parecia desprezar sua necessidade de apoio. Ela não viu no silêncio dele um gesto de respeito gentil — viu nisso uma falta de interesse. Quando Júlia por fim falou, Felipe ouviu sem interrupção. Mas ela achou que ele não estava realmente entendendo seus sentimentos. Daí ele ofereceu, não empatia, mas uma solução. Isto dizia a ela: ‘Seus sentimentos nada valem; você está exagerando. Viu como é fácil resolver esse probleminha?’
Como seriam diferentes as coisas se cada qual pudesse ter visto as coisas do ponto de vista do outro! Poderia ter sido assim:
Felipe chega em casa e encontra Júlia deprimida. “Qual é o problema, querida?”, pergunta ele meigamente. Lágrimas começam a rolar, e as palavras borbulham. Júlia não diz: “É tudo culpa sua!”, nem insinua que Felipe não esteja fazendo o suficiente. Felipe põe o braço no ombro dela e escuta pacientemente. Quando ela termina, ele diz: “Lamento que você esteja se sentindo angustiada. Entendo por que você está tão deprimida.” Júlia responde: “Muito obrigada por ter escutado. Sinto-me muito melhor sabendo que você entende.”
Infelizmente, em vez de resolverem suas diferenças, muitos casais simplesmente preferem findar seu casamento no divórcio. A falta de comunicação é o vilão que devasta muitos lares. Explodem discussões que abalam os próprios alicerces do casamento.